mardi 28 décembre 2010


foto de Catia Coias

lundi 13 décembre 2010

Welcome home Alice!


Alice viajou demais.
Agora está de volta à realidade, ao seu espaço e ao seu tempo.
A viagem deixou-a totalmente sem fôlego... está exausta.
Alice está de volta trazendo consigo coisas boas e más, agora vai ter que fazer a triagem de tudo o que trouxe do "País das Maravilhas"...
Alice acordou.
Primeiro fez uma birra enorme porque queria continuar a sonhar, depois começou a lembrar-se de alguns episódios dolorosos do sonho... ficou muito triste, encolheu-se e ficou quietinha, a chorar durante bastante tempo, no limiar entre sonho e realidade...
Mas de repente levantou-se, lavou os olhos e olhou-se no espelho... ainda está um pouco zonza... ainda está a achar tudo meio sem graça à sua volta mas começa já a reparar em algumas coisas boas que antes não conseguia ver e que a fazem sentir-se bem por estar de novo "em casa".
Mas... e as emoções?E a magia? E os sonhos?
"Deve haver um jeito de viver as coisas com intensidade, sentido e significado, tudo junto e simultaneamente", pensa ela... "preciso de objectividade para que as minhas imersões não se transformem na toca do coelho do País das Maravilhas, pois a vontade é não sair de lá..."
"Não quero abdicar do "vôo" mas também não quero perder o caminho para casa", diz para si.
"Vou ter que seguir entre vôos picados e mergulhos no abismo, entre quedas espectaculares e piruetas acrobáticas, entre vôos razantes e de reconhecimento... Tenho de aprender a voar com os arranhões e nódoas negras que ficaram de muitas quedas para me lembrar dos meus limites, mas sobretudo preciso de me lembrar do caminho de volta para não me perder nesse transporte..."
"Welcome home Alice!"

vendredi 10 décembre 2010

FELIZ ANIVERSÁRIO CLARICE!


Se fosse viva, Clarice Lispector completaria hoje, dia 10 de Dezembro de 2010, 90 anos de idade.
Neste momento ando a ler uma biografia dela feita por Benjamin Moser e estou a gostar imenso.
Lendo sobre suas origens, antepassados e experiência de vida compreende-se melhor porque ela era assim tão original na sua forma de transmitir o sentir. Nada foi um acaso. Vivendo uma infância dificil, rodeada de gente sofrida por causa de uma realidade traumática, a menina Clarice refugiou-se na escrita, suas historinhas mágicas eram a porta para um mundo de fantasia à sua medida.
Aos 19 anos publicou seu primeiro livro "Perto do Coração Selvagem". A Clarice mulher era uma mistura de "femme sage et libre" e a escrita era o seu espaço de liberdade, onde se revia.
O seu estilo solto, elíptico e fragmentário tornou-se uma marca e surpreendeu a crítica da época ao abordar de forma tão inovadora a problemática existencial.
Dizem até que para se ler Clarice Lispector é necessária uma certa preparação psicológica tal é o mergulho que fazemos dentro de nossas almas quando a lemos...
De facto, depois de conhecê-la é impossível não render-se à sua escrita indefinida, mágica, mistura de prosa e confissão, discurso íntimo e poesia. Clarice sempre soube resolver os nossos mais secretos medos.... sempre esteve perto da "legião estrangeira" que existe dentro de cada um de nós... nunca encontrei outro autor que soubesse traduzir em palavras essa linha de mistério e fogo tão sub-repticia que é a fronteira entre o sentir e outro sentir...
Suas palavras marcaram e continuam a penetrar em mim de forma indelével, traduzem a minha alma por isso gostaria de lhe dizer hoje, em jeito de homenagem, Feliz Aniversário Clarice!

samedi 9 octobre 2010

Por não estarem distraídos


Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector

vendredi 24 septembre 2010


SAUDADES (História de Menina e moça)
DE BERNARDIM RIBEIRO
Capitulo I
Em que a donzela começa a sua historia
Menina e moça, me levaram de casa de meu pae para longes terras. Qual fosse então a causa d'aquela minha levada,—era eu pequena,—não na soube. Agora, não lhe ponho outra, senão que já então, parece, havia de ser o que depois foi.

Vivi ali tanto tempo, quanto foi necessario para não poder viver em outra parte.

Muito contente fui eu n'aquela terra; mas, coitada de mim, em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou, e para longo tempo se buscava! Grande desventura foi a que me fez ser triste, ou a que, porventura, me fez ser leda![10]
Mas depois que vi tantas cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha.

Escolhi para meu contentamento (se em tristezas e saudades ha algum) vir viver para este monte, onde o lugar, e mingoa da conversação da gente, fosse como para meu cuidado cumpria: porque grande erro fôra, depois de tantos desgostos, quantos eu com estes meus olhos vi, aventurar-me ainda a esperar do mundo o descanso que êle nunca deu a ninguem!—Estando eu aqui só, tam longe de toda a outra gente, e de mim ainda mais longe; d'onde não vejo senão serras, de um lado, que se não mudam nunca, e do outro agoas do mar, que nunca estão quedas, cuidava eu já que esquecia á desventura, porque éla, e depois eu, com todo o poder que ambas pudemos, não deixámos em mim nada em que pudesse nova mágoa ter lugar,—antes havia muito tempo que tudo era povoado de tristezas, e com razão. Mas parece que, em desventuras, ha mudanças para outras desventuras; porque, no bem, não as havia para outro bem; e foi assim que, por caso estranho, fui levada a um lugar onde me foram ante os meus olhos apresentadas,[11] em cousas alheias, todas as minhas angustias; e o meu sentido d'ouvir não ficou sem sua parte da dôr.

Ali vi então, na piedade que tive d'outrem, quam grande a devêra ter de mim, se não fôra tam demasiadamente mais amiga de minha dôr do que parece que foi de mim quem me é a causa d'éla; mas tamanha é a razão porque sou triste que nunca me veio mal nenhum que eu não andasse em busca d'êle.

D'aqui me vem a mim a parecer que esta mudança, em que me eu vi, já então começava a buscar, quando esta terra, onde me éla aconteceu, me aprouve mais que outra nenhuma, para vir aqui acabar os poucos dias de vida que eu cuidei que me sobejavam. Mas n'isto, como em outras cousas muitas, me enganei eu. Agora, ha já dous anos que estou aqui, e não sei ainda tam sómente determinar para quando me aguarda a derradeira hora! Não póde já vir longe!

Isto me pôs em duvida de começar a escrever as cousas que vi e ouvi.

Mas, depois, cuidando comigo, disse eu que recear de não acabar de escrever o que vi, não era causa para o deixar de fazer; pois não havia de escrever para ninguem,[12] senão para mim só. Quanto mais que, em cousas não acabadas, não havia de ser esta a primeira: pois quando vi eu prazer acabado, ou mal que tivesse fim?! Antes me pareceu que este tempo que hei de estar aqui n'este ermo (como a meu mal aprouve) não o podia empregar em cousa que mais de minha vontade fosse:—pois Deus quis que assim minha vontade seja.

Se em algum tempo se achar este livrinho na mão de pessoas alegres, não o leiam, que, porventura, parecendo-lhe que seus casos serão mudaveis, como os aqui contados, o seu prazer lhe será menos prazer. Isto, onde eu estivesse, me doeria, porque assaz bastava eu nascer para minhas mágoas, quanto mais ainda para as d'outrem. Os tristes o poderão lêr: mas ahi não os houve mais, homens, depois que nas mulheres houve piedade; mulheres, sim, porque sempre nos homens houve desamor: mas para élas não o faço eu, pois que o seu mal é tamanho que se não póde confortar com outro nenhum. Para as mais entristecer, sem-razão seria querer eu que o lessem élas; antes lhes peço muito que fujam d'êle e de todas as cousas de tristeza, que, ainda com isto, poucos serão os dias que hão de poder ser ledas,—porque[13] assim está ordenado pela desventura com que élas nascem.

Para uma só pessoa podia êle ser; mas d'esta não soube eu mais parte, depois que as suas desditas, e as minhas, o levaram para longes terras estranhas, onde bem sei eu que, vivo ou morto, o possue a terra sem prazer nenhum. Meu amigo verdadeiro, quem me vos levou tam longe? Vós comigo, e eu convosco, sós, sabiamos suportar nossos grandes desgostos, e tam pequenos para os de depois! A vós, contava eu tudo. Como vós vos fostes, tudo se tornou tristeza; nem parece senão que estava espreitando já que vos fosseis. E para que tudo mais me magoasse, nem tam sómente me foi deixado, em vossa partida, o conforto de saber para que parte da terra ieis, porque descansariam os meus olhos em levarem para lá a vista!

Tudo me foi tirado no meu mal; remedio nem conforto, nenhum houve ahi. Para morrer mais depressa, me pudera isto aproveitar; mas, para isso, não me aproveitou. Ainda convosco usou a vossa desventura algum modo de piedade (dos que não costuma ter com nenhuma pessoa) em vos alongar da vista d'esta terra; pois que, se para não sentirdes mágoas não havia remedio, para as[14] não ouvirdes vo-lo deu. Coitada de mim, que estou falando, e não vejo eu agora que leva o vento as minhas palavras, e que me não póde ouvir a quem eu falo! Bem sei eu que não era para isto a que me agora quero pôr; que o escrever alguma cousa pede muito repouso; e a mim as minhas mágoas ora me levam para um cabo, ora para outro; trazem-me assim, que me é forçoso tomar as palavras que me élas dão, porque não sou tam constrangida a servir o engenho, como a minha dôr. D'estas culpas me acharão muitas n'este livrinho: mas da minha ventura foram élas. Ainda que, quem me manda a mim olhar por culpas, nem por desculpas?

O livro ha de ser do que vae escrito n'êle. Das tristezas não se pode contar nada ordenadamente, porque desordenadamente acontecem élas. Tambem, por outra parte, não se me dá nada que o não leia ninguem; que eu não no faço senão para um só, ou para nenhum; pois d'êle, como disse, não sei novas, tanto ha.

Mas, se ainda me está guardado, para me ser em algum tempo outorgado, que este pequeno penhor de meus longos suspiros vá ante os seus olhos, muitas outras cousas desejo, mas esta me seria assaz.

dimanche 1 août 2010

Na praia de Sesimbra...


Na praia de Sesimbra reparei no casal deitado à minha frente.
Era um casal silencioso...
Ela era cega, linda... a ele faltava-lhe uma perna.
A protese abandonada ao lado, na areia, também silenciosa...
De repente a mulher segredou algo ao ouvido do homem,
Ele pegou na protese, aplicou-a com naturalidade na perna que era so coxa e levantou-se.
Ela estendeu os braços, de olhos opacos muito abertos e ele ajudou-a a levantar-se, puxando-a pelos braços num gesto seguro.
Ficaram parados enquanto ela ajeitava o biquini e depois seguiram, lado a lado, de maos dadas, em direcçao ao mar, tao incompletos e tao complementares...
comovi-me.

mercredi 14 juillet 2010

Bumerangue (Bu-me-ran-gue)


Bumerangue (definição):Arma de arremesso dos primitivos habitantes da Austrália, feita de uma lâmina de madeira dura e curvada, e com a particularidade de voltar para perto de quem a lança, quando errado o alvo...

Gosto do bumerangue.
Não da arma de arremesso, mas do bumerangue objecto-esperança...
Objecto-giro esse bumerangue que a gente lança
e que depois fica na ponta dos pés... olhar no horizonte... mão na testa a tapar o sol que incide nos olhos... à espera que ele volte e nos traga de volta sonhos perdidos, eco de risos, gente que amamos... ainda que a definição diga que quando ele volta é porque errou o alvo... é porque do outro lado alguém não o conseguiu agarrar...
Mesmo assim gosto dessa volta ... posso até imaginar que alguém o tenha visto e se tenha, em vão, esticado todo para o tocar... então envia, junto com o bumerangue que se afasta no céu, o seu olhar...
Acho até que vou procurar um para mim só pelo prazer estético de ficar estática á espera que ele volte...

mardi 13 juillet 2010


Carlinha, Carlinha... és linho, és linha!
Fina seda...! Pura minha!
Carlinha, Carminha! -))
Caminha, caminha...
Luxemburgo é pequena,...
Para alma tão gigante!
Quatro estações são pequenas,
Para esta Carlinha...
Ora pois! Que Carlinha que nada!
É CARLA NA ESTRADA!
É CARLA VOADORA,
Que atravessou oceano,
Que plantou em mim um plano,
Mas este é segredo...
Este não vou contar!

Deixo Carla curiosa...
Quem sabe as quatro estações,
Um dia este enredo,
Por certo não irá filmar?!?

Gláucia Carvalho
。。。。。。

rsrsrrsrsrsrsrs

lovyouuuuuuuuuu

dimanche 11 juillet 2010

de novo Brasil!!


Lá fui eu "Alice"... de novo... não por inércia mas por desejo e vontade, à minha wonderland chamada Brasil!
Primeiro foi o túnel do tempo e minha viagem mágica que me levou ao auge das emoções... depois foram encontros e desencontros agora foi a constatação de que o passado já passou!! Assim mesmo, com muuuuita redundância! Passou!! E, ao contrário do que pensava, não foi assim tão duro de admitir...
Tomar consciência da verdadeira dimensão da realidade dos outros e da minha era algo inevitável... assim, pela primeira vez depois do reencontro com o meu passado brasileiro, pude olhar os amigos e a mim própria descolados do passado... juntamente com a realidade que cada um construiu ao longo do tempo e que é a somatória de passado + tempo de ausência + presente, com a variável "escolhas" aplicável em todos os casos. Coisa quase matemática... resultados quase previsíveis... não fossem os dedos de Deus puxando alguns cordelinhos nos bastidores e surpreendendo...
É claro que isto de nos mostrarmos na nossa real dimensão tem os seus riscos... a decepção, o desencanto, a desilusão... mas vale a pena quando serve para confirmar que os nossos sentimentos são incondicionais, que continuamos a amar e a ser amados apesar de... que vamos permanecer unidos ainda que... que afinal somos todos simplesmente, maravilhosamente, irresistivelmente humanos!
Para mim o Brasil estará sempre ligado a emoções e a afetos, abraça-me sempre com os seus braços fôfos e envolventes e adoça o meu coração com palavras doces temperadas com sal de lágrimas... e Deus lá, sempre, puxando incessante e amorosamente os cordelinhos nos bastidores... Sinto-me amada!
Vou voltar!!

samedi 19 juin 2010

Dizemos (por José Saramago)


Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais difícil operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar emanharados, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos, e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida.

lundi 31 mai 2010

Vengo a ofrecer mi corazon

ficar vulnerável...
ou pôr grades, portas e trancas e ficar lá dentro no "cocoon"... no escuro, no silêncio... não vivo, não sinto!
...escancarar a alma e correr riscos...
ficar vunerável... ser "intensa e imensa"... ser total, ser integral...
ou então o medo do risco, da perda, da dor...
e o tempo... o tempo... o tempo.... o tempo...
... o amor já não é um reflexo como ontem...
agora há sempre um pedaço de temor, um pedaço de razão...
Mas como abrir o peito e tirar a alma?
como não oferecer o coração?...

Carla

dimanche 30 mai 2010

"Escrever" par Hubert Nyssen

"Mais oui, bien sûr, je fais voir dans ces carnets des épisodes de ma vie. Et alors ? J'écris non pour m'en prévaloir mais pour en partager la quintessence. J'écris pour mes proches et pour des inconnus qui proches le sont aussi sans que je le sache. J'écris afin de dire par la description du quotidien les saveurs discrètes de la vie que je traverse, lentement désormais, et pour suggérer que des saveurs de cette espèce existent dans toute vie. J'écris pour me fixer des repères qui me permettent de retrouver des souvenirs et des sentiments que je ne décris pas, j'écris pour en montrer le clair et l'obscur, le doux et l'amer. J'écris pour retenir quelques instants ceux que le torrent emporte. J'écris chaque matin comme si j'allais nager pour reprendre conscience des capacités de mon corps. J'écris pour ne pas perdre l'habitude de nommer ce qui, sans l'être, ferait naufrage dans l'oubli. J'écris, mais souvent j'attends avant de donner à lire. Le temps que je sache, en relisant moi-même, s'il s'agit bien de ce que je voulais écrire."

(Hubert Nyssen)

mardi 25 mai 2010

Um violino na pele


Conheci Anne-Sophie Mutter através de um documentário sobre Karajan. Nesse programa apareceu uma menina a tocar violino que fez vibrar a minha "corda sensível"...
Impressionou-me não só a emoção transmitida na música mas também a imagem de Anne-Sophie com o violino em contacto directo com a pele... ao ouvi-la senti um arrepio de emoção, esse tipo de sensação que pertence a uma outra dimensão do sentir... algo que vem de lá, onde só a alma manda...
Depois desse "encontro" tenho acompanhado o trabalho da sua Fundação, aqui bem perto do Luxemburgo e sempre que é possível, vou vê-la tocar. Foi o que aconteceu há alguns dias atrás. Anne-Sophie tocou e encantou o Luxemburgo que abarrotou a nova e linda sala da Philamonie. Foi uma festa para os sentidos e para a alma. Anne-Sophie tocou, encantou e surpreendeu o público saindo no intervalo para uma sessão de autógrafos. Claro que eu não perdi essa oportunidade. Ganhei dela além de um lindo sorriso um autógrafo no meu CD. Saí com a alma inchada de alegria e prazer, admirando o meu CD como um troféu! No regresso a casa ouvi-a de novo e pensei que encontros mágicos assim fazem a vida saber ainda melhor.

lundi 24 mai 2010

Callas e os índios


Há algumas semanas vi na France 3 uma reportagem realizada por uma equipe de jornalistas e antropólogos franceses numa tribo de índios brasileiros que vive em estado de isolamento total nos confins da floresta amazónica.
Sem me alongar muito com tudo aquilo que me impressionou na reportagem e nas lições de filosofia de vida, de civismo e humanismo que pude retirar ao aprender sobre aquele grupo, gostaria contudo, de realçar algo que me impressionou e tocou profundamente: o encontro daqueles indígenas com a música.

Os homens da tribo reuniram-se todos numa das habitações da aldeia onde foi instalado um laptop. No écran do computador iam surgindo imagens do "mundo civilizado"... recordo-me apenas de algumas... guerra, arranha-céus, hamburger, mulheres com burka, neve... só para citar algumas das imagens que apareciam numa ordem arbitrária e que iam provocando em todos as mais variadas reações: espanto, riso, revolta, incompreensão, dúvida, perplexidade, etc... até ao momento em que surgiu no écran a figura de Maria Callas interpretando uma ária.
Os risos e os comentários pararam e fez-se silêncio. Todos os índios, adultos e crianças, de olhos pregados no laptop ouviam aquela música estranha.. que não se parecia com coisa nenhuma que já tivessem ouvido antes e da qual não compreendiam uma única palavra mas que ia provocando neles estranhas e indescritíveis sensações... algo inexplicável estava a acontecer no íntimo de cada um e só era visível pelas lágrimas que começaram as rolar nas suas faces.
Terminado o pequeno vídeo, alguém lhes perguntou o que tinham sentido ao ouvir aquela música, responderam que, na verdade, não sabiam definir exactamente o que sentiam mas que era algo que não precisava nem de tradução e nem de explicações porque se tratava da "fala" da alma. Disseram mais, "o que aquela mulher com uma voz tão linda e tão sentida cantava só podia vir do mais fundo do seu ser e por isso penetrava nos corações de quem a escutava".

Deste lado do mundo, ao assisitir àquele espectáculo de vida onde a alma humana era a protagonista também eu me emocionei e chorei com aqueles índios, em diferido no tempo mas em uníssono no sentir. Afinal somos todos tão parecidos meio às nossas diferenças e rótulos... repeti mais uma vez baixinho e só para mim, as palavras do índio: a música, universal... indescritível... inexplicável... penetrante... é a "fala" da alma...

"A música é revelada em nós, mas não por nós. A música brota de nosso coração misterioso, manifestando sentimentos que sequer imaginávamos possuir; digo: hospedar. É por isso que dizem que no coração não se manda. Ora! não se pode mandar naquilo que não lhe pertence. E o coração não pertence ao Homem – ele apenas o carrega, presente dado por Deus. O que do coração procede não é dado ao Homem conhecer, excede todo o seu raso entendimento. E eis que o que procede do coração humano, sai em forma de música." (G.de Castro)

jeudi 20 mai 2010

Dia de faxina



(Autor desconhecido)

(...) Tirara do fundo das gavetas lembranças que não o edificavam e que, por isso, não queria mais. Deitara fora alguns sonhos, algumas ilusões e papéis de embrulho que nunca havia utilizado. Fizera o mesmo com a raiva e o rancor das flores murchas que estavam dentro de um livro que não lera.
De repente ficou sem paciência. Tirou tudo de dentro do armário e deitou no chão: paixões escondidas, desejos reprimidos, palavras horríveis que nunca queria ter dito, mágoas de alguém, lembranças de um dia triste... mas no meio de tanta inutilidade, havia também coisas belas: um bem-te-vi que cantara na sua janela..., um lindo quadro..., aquela lua cor de prata que faz sonhar... um pôr-do-sol... uma música... um poema...
Encantou-se e distraiu-se a olhar para cada uma daquelas lembranças.
Então, sentou-se no chão para poder fazer as suas escolhas.
Num relance, olhou para seus sorrisos futuros e suas alegrias pretendidas e colocou-as num cantinho, bem arrumadas.
Deitou no saco do lixo os restos de um episódio que o magoou e as palavras de raiva e de dor que estavam na prateleira de cima foram descartadas no mesmo instante.
Outras coisas que ainda o magoavam, colocou num canto para depois ver o que faria com elas... se as esquecia lá mesmo ou se as mandava para o lixo...
Abriu aquela gaveta onde se guarda tudo o que é mais importante: a fé, o amor, a alegria, os melhores e mais abertos sorrisos... e ficou um bom tempo a contemplá-los... e como foi bom relembrar tudo aquilo!...
Recolheu com carinho o amor encontrado, dobrou direitinho os desejos, colocou perfume na esperança, passou um pano na prateleira das suas metas esquecidas e deixou-as à mostra, para não perdê-las de vista novamente.
Colocou nas prateleiras debaixo algumas lembranças da infância, na gaveta de cima as da juventude e, pendurado bem à frente, colocou a capacidade de amar e de recomeçar(...)

É hora de fazer faxina... há muito "treco" inútil para jogar fora, há pó a limpar nas prateleiras e gavetas para arrumar, também há coisas para guardar... e recomeçar!

Magia!!

Todo o mundo tem uma "trilha sonora da vida", "um bouquet de cheiros", "um vitral de fragmentos de imagens", e um "conjunto de sensações tácteis"... e quando, por acaso, de repente, uma dessas coisas revém, não é só uma sensação de dèja vu, é um bocado de nós e de vida que ressona e vem à tona... é magia!...

mercredi 19 mai 2010


AOS MEUS AMIGOS DO HEMISFÉRIO SUL

Completaram-se agora, no princípio de Maio, dois anos do meu reencontro com os "amigos do Hemisfério Sul". Senti que devia escrever sobre isso...
Não estarei a exagerar se disser que esse reencontro alterou o rumo e ritmo da minha existência! (interjeição exclamativa e com muita ênfase!!!)


Andava eu na minha pacata existência por pacatas terras europeias de pacatas tradições quando, sem esperar, de um momento para o outro, de forma arrebatadora, total, incontrolável e irreversível vi-me passar pelo túnel do tempo! (Sim ele existe e posso dar fé!) E que viagem maravilhosa que me levou aos píncaros da emoção! Entrei, claro, num delicioso estado de euforia que se assemelhava quase ao estado de enamoramento... andava nas núvens, não tinha fome nem sono, todos os dias aparecia mais um amigo do meu passado longínquo e feliz... foi uma festa dentro de mim!

Depois o virtual deu lugar ao real e os amigos encontraram-se, abraçaram-se, relembraram os velhos tempos, compararam aquilo que foram com aquilo em que o tempo e a vida os tinha tornado e, tomados dessa emoção, enxugaram-se mutuamente as lágrimas que foi impossível conter...
Foi lindo. Mas para mim o que se seguiu foi ainda mais lindo...

Passada a emoção e a euforia a realidade voltou à cena com a sua "amiga inseparável" rotina e tratou de repôr os amigos nos "carris da vida", até os mais rebeldes (como eu!rsrs) Todo o mundo voltou, obediente, para o seu "trenzinho". E eis que surgiu a pergunta: e agora? Como manter a proximidade apesar das vidas paralelas e tão distantes? Coisa tão difícil de administrar...

Alguns amigos seguiram no seu "trenzinho" mas outros resolveram continuar a partilhar as suas vidas e tudo o que faz parte delas, alegrias, tristezas, lutas, conflitos, dúvidas, frustrações, fragilidades, esperança, dor, amor...
Essa foi para mim a melhor parte do reencontro e não me canso de agradecer a Deus por este presente que tem representado uma "mais valia" na minha vida ao longo destes dois anos. Este contacto diário, do qual recebo tanto amor, ternura, carinho, apoio, doçura e a certeza absoluta de que a distância não mede de forma nenhuma o afastamento quando se ama e quer-se estar junto. E eu sinto-me tão perto de vocês, meus amigos do Hemisfério Sul!!!

dimanche 16 mai 2010

Novo Centre Pompidou-Metz - L'art à portèe de la main


O novo Centro Pompidou-Metz, com a sua dupla dimensão regional e europeia, é a primeira experiência de descentralização cultural em França a ser orgnizada por um organismo nacional. Este local cultural inédito será uma projecção do Centre Pompidou (Paris) sem no entanto ser uma réplica e responderá ao desejo afirmado de melhor difundir e divulgar as colecções de arte moderna.
Metz é a cidade francesa mais próxima do Luxemburgo, a escassos 70 km do Grão-ducado, e oferece uma grande diversidade cultural. Agora com o novo Centro Pompidou há mais uma razão para ir até lá. Estou radiante! :)

jeudi 13 mai 2010

Il Postino (scene 7-8)

IL Postino

Hoje apeteceu-me falar de um filme que se tornou "coisa minha" por me ter provocado um poderoso cocktail de emoções: "Il Postino" ou "O Carteiro de Pablo Neruda"

O filme, dirigido por Michael Radford e baseado no livro Ardiente Paciencia de António Skármeta, conta a história da amizade entre o poeta Pablo Neruda, exilado numa ilha de Itália, e um humilde carteiro, quase analfabeto, encarregado de cuidar da correspondência do poeta. Gradualmente, forma-se entre os dois uma sólida amizade. O carteiro Mario aprende, pouco a pouco, a escrever seus sentimentos por Beatrice, sua amada, e Neruda ganha, em troca, um ouvinte compreensivo para suas lembranças saudosas do Chile.

O filme é feito de e sobre emoções. As emoções latentes que estão lá, à flor da pele, mas que não ousam mostrar-se, como o amor sentido em segredo... o desejo contido... e as outras, as emoções que fluem visíveis nos sentimentos de nostalgia e de saudade da terra, da vida que ficou lá, longínqua, do outro lado do mar, no sentimento de solidão e isolamento, e nas lembranças que são a ressonância de uma vida que não existe mais. Tudo isto fluindo em forma de poesia. É a história singela mas comovente da amizade entre um poeta exilado e nostálgico (Pablo Neruda) e um carteiro analfabeto com um poeta dentro de si e com sede de aprender, para quem tudo ao redor se torna poesia: o mar, a ilha, as embarcações, os pescadores, o som do vento e o canto das gaivotas, a praia e as ondas que nela se quebram, o céu, a imensidão, os sons do silêncio, os sons da alma... e do amor... Impossível ficar indiferente a tanta beleza e emoção brotando, em forma de poesia, desta história. Depois do filme, falta a leitura do livro, acho que vou procurá-lo, preciso voltar à ilha do poeta aprendiz...

samedi 1 mai 2010

Duccio Nacci


Conheci Duccio Nacci na sua cidade natal, San Gigminiano, onde ele nasceu, vive e trabalha até hoje. Passando na Piazza del Duomo, chamou-me a atenção aquela vitrine com fotos lindas. Parei para olhar mas logo fui atraída para dentro e deparei-me com um atelier repleto de fotos magníficas da Toscana: tinha entrado na Botega del salle de Duccio Nacci!
Centenas de fotos a preto e branco e a côres, para todos os olhares, para todos os gostos mas todas elas plenas de emoção e expressividade. Perguntei se tinham à venda um livro com as fotos expostas e a resposta foi positiva, Toscana dell'anima... ao lê-lo fiz a maravilhosa descoberta dos poemas que acompanhavam cada foto. Cerca de 200 páginas de maravilhosas fotografias ilustradas com palavras (e não o contrário), que são como uma legenda para aquilo que os olhos vêem e para o que a alma capta. Posso dizer sem exagerar que esse contacto com um filho da Toscana e sua maneira apaixonada de ver a sua terra, as gentes, a arquitectura e a própria arte foi um dos momentos altos da viagem. Agora sempre que quero "regressar" à Toscana folheio o livro, leio os poemas e deixo a imaginação fazer o resto...

mercredi 28 avril 2010

Pollock:
Ah! A glória de pintar
frescos de sonho
no silêncio crispado de raiva
deixando as raízes quebrarem a crosta
e florescerem nos dedos...

lundi 26 avril 2010

Jesusalém


Há anos que eu ouvia falar de Mia Couto mas sempre adiei a descoberta... muitos outros livros se entrepuseram até que um dia alguém trouxe até mim um Mia Couto lido e experimentado e apresentou-me "Jesusalém". E foi tão persuasivo e deu-me com tanto empenho a garantia de que eu iria gostar que não pude adiar mais e na primeira oportunidade adquiri o livro.
O amigo tinha razão... é um oásis!
Depois de ter passado um bom tempo a ler livros "muito bons" que me roçavam a alma como uma tangente veio enfim um que entrou em mim como uma lâmina de dois gumes. Acredito que todos os livros têm um momento para serem lidos, um livro que nos fala hoje de uma forma especial pode passar-nos totalmente "ao lado" numa outra altura da vida... Jesusalém tinha a forma do "M" do Meu Momento.
Se fizer uma primeira análise direi que é um livro triste. O tema é a tristeza, o exílio, a fuga, o isolamento, é um livro feito de silêncios, carências e mágoas, e no entanto exala esperança e comove porque mostra os avessos da alma, sim é isso: vira a alma do avesso! O avesso do ressentimento, o avesso da loucura, o avesso da mágoa o avesso da tristeza e o avesso daquilo que não se ousa mostrar porque é a parte mais fraca, mais vulnerável e mais frágil da alma humana, o amor. Mia Couto aborda tudo isso com uma beleza poética comovente, transformando a crueza em doçura à qual é impossível ficar indiferente... um espelho para a alma que nos faz sentir mais indulgentes com os outros e connosco... afinal fica tudo explicado... afinal o que resta é a fragilidade e a impotência na busca incessante do amor...
O meu Jesusalém está todo sublinhado e tenho a certeza que vou procurá-lo muitas vezes só para sentir o prazer das palavras a entrarem em mim de novo...
Muito obrigada, amigo querido, pela descoberta! :)

dimanche 18 avril 2010

Toscana


Lugar suave e sensual... de paisagens doces e redondas... de campos ondulados de verde em degradée... oliveiras, vinhas, montes.... e os ciprestes que quebram a "monotonia" daquele mar verde sob um céu baixo cheio de nuances... lindo!
Em contraste, a riqueza artística das cidades com seus duomos e palazzios sumptuosos, amarelos, ocre, rosa, laranja, avermelhados, de janelas pintadas de verde, que olham as ruas onde passa a vida barulhenta e escutam o silêncio dos becos e pátios floridos, onde crianças brincam e onde chilreiam passarinhos...

A Toscana convidou-me à introspecção, ao exame, a olhar a vida e o que me sucede com um olhar mais doce do que aquele que normalmente tenho no meio da azáfama e das obrigações da outra vida, aquela à qual não posso fugir e da qual não sou tão senhora assim...
A beleza adoça a alma. Pude sentir isso. Senti-me mais doce e maleável... quando se olha e se respira tanta beleza e suavidade não é difícil compreender o impacto que isso teve na inspiração de tantos artistas maravilhosos... e ao ver as estátuas da Piazza di la Signoria e as maravilhosas telas de Boticcelli na Galeria dos Ofícios senti o pulsar do espírito toscano na beleza que se vive e respira através da arte...

Em Florença fiz o exercício de andar por lá como se fosse um dos muitos personagens históricos que lá viveram. Assim, ao ver o rio Arno e a Ponte Vechio, imaginei Dante Allighieri olhando o pôr do sol e pensando em trechos da Divina Comédia. Ao passar a mão na pedra de uma esquina imaginei Miguel Angelo fazendo o mesmo gesto, escultor sentindo o pulsar da pedra que esculpe... e ao ver as nuances daquele céu ao pôr do sol e os reflexos dourados no Arno, imaginei Boticelli olhando esse quadro e vendo uma vénus emergir do Arno sobre uma concha...

Fiquei cativada e cativa. Gostaria muito de lá voltar... e, se voltar, não me vou esquecer nem das tintas nem dos pincéis!!

vendredi 26 mars 2010

Pequena divagação matinal


Hoje um amigo contou-me que tinha adquirido um gira-discos (ainda se encontram algumas relíquias por aí...) e mais 400 LP's antigos. Não pude deixar de felicitá-lo pela sua aquisição. Além do facto de todas aquelas melodias lhe poderem proporcionar uma longa e deliciosa sessão nostalgia que ele pode até dividir em pequenas doses diárias saudáveis para fazer render mais o prazer... rsrs, achei que havia também em tudo isso um reviver de experiências sensoriais que não era de desprezar. Então pedi-lhe para que, após a sua experiência auditiva, partilhasse comigo as sensações que tivesse ao ouvir de novo aquele barulhinho característico da agulha a passar no vinil e a saltar de vez em quando, no caso do disco estar riscado... rsrs
Eu sou meio nostálgica mesmo... não pelos gira-discos ou pelos LP's (acho que agora a qualidade sonora é incomparavelmente melhor sem falar na arrumação que é muito mais prática) mas havia toda uma solenidade em torno da compra de um LP... o chegar a casa, abrir a capa, retirar o disco de vinil negro e brilhante do envólucro plástico, limpá-lo com aquela esponjinha de veludo e depositá-lo, cuidadosamente, no prato do gira-discos, depois carregar na tecla "play" e ver o braço do gira-discos com a sua agulha mágica avançar devagar e pousar delicadamente bem no comecinho do enorme disco, e depois, lentamente, ver a agulha subir e descer ao sabor da ondulação do vinil... se a ondulação fosse demasiada era uma chatice, a agulha acabava por saltar e zut! lá se ia a sequência melódica! Então talvês fosse melhor pôr o disco debaixo de uma pilha de muitos outros para ele ficar mais direitinho! rsrs
Se pensarmos bem, toda esta experiência tinha muito de sensual... um prazer que foi perdido em troca de uma maior performance técnica e qualidade sonora, um pouco, aliás, como todo o resto que acompanha os gira-discos... agora é tudo mais perfeito e mais plastificado... menos os sentidos, valha-nos isso!!

mercredi 24 mars 2010

África minha


Quando eu vi pela primeira vez o filme de Sidney Pollack senti um cocktail de emoções muito particular, muito especial que me empurrou para longe... Depois de reflectir um pouco descobri porquê. É que no filme, por trás do romance entre Robert Redford e Merryl Streep, escondem-se outras histórias de amor, todas elas correspondidas. O amor latente e velado entre amo e serviçal e vice-versa, o estranho amor baseado no profundo respeito entre um caçador e as suas presas e vice-versa e o amor de uma dinamarquesa por África e direi igualmente "e vice-versa" porque acredito que uma terra que é amada ama em retorno. Digo isso porque sinto assim e porque creio que o meu fascínio por esse filme está ligado a uma espécie de ressonância que sinto cada vez que o vejo. Ressonância de sons, de cheiros, de imagens e de emoções que vêm de bem longe... da África da minha infância.

E é então que chega de novo até mim um tempo feliz, de despreocupação total, de pés descalços na terra, de aventuras mil imaginadas e vividas com os meus sobrinhos (que são quase da minha idade) e primos.

E ecoam em mim os sons de África. O barulho da cozinha do restaurante Haiti que ficava lá no prédio (será que ainda existe?) e os ruídos que vinham da oficina de automóveis que ficava mesmo ao lado, e os cantares tristes e cadenciados das lavadeiras enquanto desfaziam as trouxas de roupa e lavavam lá no tanque...

E ecoam em mim os cheiros de África. O cheiro inconfundível e intenso da terra quente e molhada ainda a exalar vapor depois de uma trovoada daquelas que iluminava o céu todo (nunca na minha vida vi coisa igual) e o cheiro a chá e bolinhos do apartamento dos meus avós que ficava pegadinho com o nosso...

E ecoam em mim as imagens de África. O padrão das cortinas do meu quarto de menina, as formas geométricas dos vasos de flores que enfeitavam as varandas e aquele corredor imenso... interminável... que acabava no torreão de vidro e onde se disputavam as corridas de bicicleta mais radicais, mais loucas e mais perigosas que eu já vi na minha vida!!
E aquelas retas estreitas que desapareciam na linha do horizonte e que tínhamos de percorrer quando íamos de Luanda para Nova Lisboa e que os animais selvagens gostavam de ocupar de vez em quando, o que era sempre motivo de festa e de exclamações por parte de adultos e miudagem. E, claro, aquela sensação de imensidão que se tinha quando se subia num morro e olhávamos a paisagem até lá onde a terra desaba...

Ecoa em mim, enfim, a felicidade de uma meninice bem vivida e livre de medos em que todos desejávamos ir dormir depressa porque queríamos acordar logo para ir correndo viver o dia novinho em folha que ia chegar e que nos preparava sempre agradáveis surpresas.
África minha e amada!!

dimanche 21 mars 2010


Desiderata (coisas que se desejam)

Bem-vindos!
É um prazer poder "viajar" com vocês através de textos e imagens neste Desiderata (coisas que se desejam).
Farei o possível para levá-los sempre por caminhos bonitos que os façam voar mas sempre voltar...
Nesta viagem não é preciso apertar o cinto, ao contrário, descalcem-se, dispam-se, livrem-se de roupa e alma apertadas e deixem-se flutuar ao sabor do sonho, da poesia, e de algumas das coisas que eu vou amando e desejando...